quinta-feira, junho 19, 2025 21:25

Sugestões do editor

Dra. Thalita Gomes: o que a série ‘Adolescência’ me fez refletir sobre a violência psicológica


A série Adolescência, da Netflix, traz uma narrativa potente e sensível, que nos convoca a refletir, por meio da arte, sobre o quanto nossas ações — e também nossas omissões — moldam as experiências de crianças e adolescentes, especialmente em um mundo de fluxos de informação tão intenso e desafiador.

Mesmo não sendo mãe, eu me senti interpelada sobre a minha responsabilidade na construção de espaços comunitários mais acolhedores e atentos às necessidades da infância e da adolescência. A escola, na série, revela um retrato muito real: professores sobrecarregados, tentando lidar com novas realidades sociais sem o suporte necessário. A participação ativa da comunidade é essencial, assim como a integração com a natureza, o investimento em espaços públicos de lazer e cultura, e a cobrança por segurança nos bairros — elementos fundamentais para garantir o direito de crianças e adolescentes ao convívio, à autonomia e à liberdade de circulação.

Outro aspecto que a série aborda de maneira sutil, mas profunda, é a violência psicológica — tema que, em minha prática profissional, vejo repetidamente atravessar casos de divórcio. A violência psicológica, por ser invisível, muitas vezes é difícil de ser reconhecida até pelas próprias vítimas. A Lei Maria da Penha foi um marco fundamental ao reconhecer essa dimensão da violência contra a mulher, mas ainda enfrentamos obstáculos para obter medidas protetivas eficazes nesses casos.

Em Adolescência, acompanhamos Jamie, um menino de 13 anos que comete um feminicídio. A série lança luz sobre como a violência psicológica pode se manifestar em diversos níveis: nas relações familiares, nas instituições, nas microagressões do dia a dia. A escolha de focar no suspeito (depois, autor) do crime e no apagamento da história da vítima é uma crítica poderosa às estruturas processuais que, muitas vezes, priorizam a punição do agressor em detrimento da reparação e da memória da vítima.

A série também escancara as violências sutis — como o assédio moral vivido pela psicóloga que acompanha o caso. O desconforto dela diante da constante interpelação masculina pelo vigilante durante a realização do seu trabalho evidencia a dificuldade de nomearmos agressões que não deixam marcas visíveis, mas que nos sobrecarregam emocionalmente. Em uma sociedade que ainda ensina as mulheres a “ficarem caladas para evitar conflitos”, o silêncio imposto se torna mais uma forma de violência. Como tão bem explica Rebecca Solnit, o silêncio, longe de ser neutro, perpetua injustiças e impede a transformação.

Adolescência também provoca uma reflexão sobre como a masculinidade tradicional sufoca não apenas as mulheres, mas também os próprios homens. O bloqueio emocional do pai de Jamie, sua dificuldade de expressar afeto e lidar com a vulnerabilidade, revelam como a lógica patriarcal exige dos homens uma postura de insensibilidade e dureza que, no fundo, também os adoece.

É fundamental reconhecer que o cuidado emocional não é responsabilidade exclusiva das mulheres. É urgente que os homens se apropriem de seus próprios processos de autoconhecimento, que busquem apoio psicológico, que aprendam a reconhecer e a lidar com seus sentimentos. Porque quando o medo, a raiva e a insegurança se acumulam, eles podem transbordar em atos de violência — muitas vezes contra os outros, mas também contra si mesmos.

Um momento que me marcou foi a interação entre Jamie e a psicóloga. Quando ele pergunta se ela gosta dele, e ela impõe um limite ético e emocional claro, fica evidente que Jamie busca aprovação para inflar a própria autoestima. Essa necessidade de validação, tão comum em contextos masculinos fragilizados emocionalmente, precisa ser enfrentada com responsabilidade individual — e não delegada, como tantas vezes acontece, às mulheres que já carregam inúmeras outras tarefas emocionais e afetivas.

A série, portanto, não é apenas um retrato sombrio. É também uma convocação à esperança. Demonstra que há caminhos possíveis, como a postura ética, firme e compassiva das mulheres retratadas — a psicóloga, o policial — que, com controle emocional e sensibilidade, mostram que é possível construir outras formas de estar no mundo. Formas baseadas na escuta, no respeito mútuo e na coragem de romper silêncios impostos.

Tags :

Esses conteúdos também podem te interessar

© Copyright 2025 by Notícias do Triângulo.

Uma empresa do grupo DC Comunicação LTDA.

Desenvolvido por:

synapse-white