
Quem está acompanhando a novela “Vale Tudo” da TV Globo deve ter reparado na cena em que Lucimar (Ingrid Gaigher) decide requerer judicialmente a pensão alimentícia do filho Jorginho (Rafa Fuchs), após oito anos tentando estabelecer o diálogo com o pai, Vasco (Thiago Martins), que nunca cumpriu adequadamente suas obrigações parentais.
A cena mostra Lucimar acessando o aplicativo da Defensoria Pública e agendando uma conciliação para organizar a pensão alimentícia. O episódio ganhou grande repercussão. De acordo com a matéria publicada no site da Defensoria, o aplicativo bateu recordes de acesso, com um aumento em torno de 300 % em relação a média habitual. No mesmo período, foram realizados 1.148 agendamentos realizados via aplicativo.
O poder de informar que a novela exerce é fundamental, pois ainda existe muita desinformação sobre pensão alimentícia. Afinal, para que serve a pensão e quem tem direito a ela?
Além de filhos, também podem ter direito à pensão o cônjuge (mulher ou homem) que detém menor capacidade financeira, a depender da situação em concreto. A pensão pode ainda, ser paga a idosos ou outros parentes que se encontrem em situação de vulnerabilidade.
Na novela, a pensão retratada é o direito da criança de receber dos genitores o necessário para seu sustento. O sistema normativo[2] visa assegurar que as crianças e adolescentes tenham garantidos cuidados essenciais em momentos de maior dependência. Ele também prevê deveres que o Estado deve assegurar, como a educação básica gratuita, um direito humano fundamental. E cabe ao Estado intervir quando os genitores não cumprem com a suas responsabilidades parentais.
Da mesma forma, quando os pais chegam à velhice e enfrentam vulnerabilidades, os filhos também podem ser responsabilizados, sendo possível que eles requeiram pensão. A lei estabelece um dever de cuidado recíproco, que pode ser acionado sempre que qualquer dessas partes se encontre em situação de necessidade.
No caso da novela, quem tem o direito de requerer a pensão é o Jorginho, e a cena mostra o sistema de justiça sendo acionado para reparar aquele direito da criança que está sendo prejudicado. Porém, a criança não pode “ir bater às portas” do judiciário sozinha, por isso ela precisa de alguém para representá-la. Ela precisa de alguém que a represente, pois menores de 16 anos são considerados absolutamente incapazes para os atos da vida civil.
Por isso, é comum ouvirmos falar de “mães pedindo pensão”, mas, na verdade, essas mulheres estão apenas representando judicialmente seus filhos. Tanto é assim que, quando se propõe uma ação de alimentos, quem figura no polo ativo da ação é a criança, e não a mãe.
Pais e mães podem representar a criança, mas é mais comum vermos mulheres nessa posição, justamente porque isso reflete a realidade social: a responsabilidade pelo cuidado das crianças e adolescentes recai, majoritariamente, sobre as mulheres. Esse é um reflexo direto de uma sociedade patriarcal, que naturaliza o cuidado dos filhos como uma função exclusivamente feminina. Por isso, um pai que abandona a criança, que não é presente na educação, que não leva à escola, que não faz comida, muitas vezes não se sente culpado. Ele não se percebe como responsável — e a sociedade tampouco o responsabiliza.
É justamente por isso que cenas posteriores, como aquelas com Jarbas (Leandro Firmino), Poliana (Matheus Nachtergaele) e Aldeíde (Karine Teles), demonstrando compaixão por Vasco, e não por Lucimar, são muito comuns na vida real pelas pessoas mais próximas a essas mães, como familiares e amigas. Pois, não se exige dos homens que sejam presentes na vida das crianças, e, mesmo quando o mínimo lhes é exigido, como o pagamento da pensão, que muitas vezes sequer cobre as compras do supermercado, eles parecem ser as vítimas da situação, por que não é “papel do homem” cuidar dos filhos, mas sim das mulheres[3].
Enquanto isso, Lucimar trabalha em dois empregos, cuida sozinha da casa e dos filhos, uma rotina extenuante que, socialmente, não é percebida como sobrecarga. Afinal, “mãe dá conta de tudo”. Por isso, as pessoas se comovem mais com a história do Vasco do que com a da Lucimar: o machismo é estrutural, está impregnado nas lentes através das quais enxergamos o mundo. Para percebê-lo, é preciso primeiro se sensibilizar para o fato de que ele está em nós.
A cena do dia 21 de maio (quarta-feira) retrata mais uma situação muito comum para quem trabalha de perto com ações de pensão alimentícia: a mãe se sentindo culpada. Lucimar está faxinando a calçada quando Consuelo (Belize Pombal) quer passar e se irrita com a situação. Lucimar se desculpa, diz que está cansada e se sente culpada pela situação de Vasco. Consuelo, a única na trama que parece sensibilizada com a causa, responde com precisão: “Ser uma mulher livre nessa sociedade é estar em completa vigilância”. Isso porque é muito fácil cairmos nesse lugar de culpa, mesmo quando somos vítimas e não responsáveis pela situação.
Por isso, é fundamental que as mulheres se informem sobre seus direitos. Em Monte Carmelo, o Núcleo de Práticas Jurídicas da Unifucamp presta um atendimento essencial à população, especialmente na área de Direito das Famílias. Além disso, a Prefeitura oferece o atendimento da Assistência Judiciária do Município de Monte Carmelo. Quem precisar, basta ligar e agendar um horário. Os critérios para o atendimento seguem os requisitos da assistência judiciária gratuita integral, para pessoa natural o recebimento de renda per capita não superior a 03 (três salários mínimos) ou renda familiar de até 04 salários mínimos, nos moldes exigidos do artigo 1º, inc. I, da Deliberação n.25/2015 da Defensoria Pública de Minas Gerais.
Informações:
Núcleo de Práticas Jurídicas da Unifucamp:
No próprio Campus da Instituição – Bloco do Curso de Direito
Endereço: Av. Brasil Oeste, n. 1900, Jardim Zeny, Monte Carmelo – MG
Mais informações: (34) 3842-5272 – ramal: 62
Assistência Judiciária do Município de Monte Carmelo:
Endereço: Praça Nossa Senhora Do Carmo, 150 – Centro – Monte Carmelo, MG
Horário: 08:00h Às 11:00h E 13:00h Às 17:00h
Telefone: (34) 3842-5880
Foto: Jorginho (Rafael Fuchs) e Lucimar (Ingrid Gaigher), em Vale Tudo — Foto: TV Globo/ Angélica Goudinho
[1] Cf. https://defensoria.rj.def.br/noticia/detalhes/30659-Cena-de-novela-leva-Defensoria-do-RJ-a-recorde-de-acessos-por-minut
[2] Cf. – o artigo 225 da Constituição Federal, a Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968 (Dispõe sobre ação de alimentos e dá outras providências); Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente); Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 ( Dispõe sobre o Estatuto da Pessoa Idosa e dá outras providências) e Lei nº 13.146, de 6 de julho 2015 (Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência).
[3] A utilização dos marcadores “homem” e “mulher” corresponde à cena retratada, mas os direitos relativos à pensão alimentícia se aplicam igualmente às relações homoafetivas. Para aprofundar a discussão sobre papéis de gênero, ver: Beauvoir, Simone de. “O Segundo Sexo”; sobre desconstrução de normas de gênero, Butler, Judith. Problemas de Gênero; e para a interseccionalidade com raça, Gonzalez, Lélia “Por um feminismo afro-latino-americano”.